MEC no seu melhor.
É semana de dérbi, aplica-se.
Miguel Esteves Cardoso, in Revista DNA, do Jornal Diário de Notícias de 27/05/2005
QUEIRA A TODA A FORÇA QUE O SPORTING GANHASSE AO CSKA. Com a mesma força que queria que Fernando Rosas tivesse sido eleito Papa; que Bush pusesse termo à gastronomia portuguesa e só houvesse, no território nacional, McDonalds para comer e que Sinatra tivesse tido a voz do vocalista da Ala dos Namorados.
Já sabia que o Sporting não ia ganhar porque, Dostoievski por Tolstoy, a tragédia russa é uma farsa francesa de Feydeau ao pé da tragédia profunda do Sporting. A Rússia nunca tinha ganho um troféu europeu e este destino animava a alma russa, dando-lhe o desalento essencial que é como dióxido de carbono para ela. O Sporting conseguiu dar-lhe três garrafas cheiinhas de oxigénio, entontecendo os pobres coitados das estepes. Só o Sporting conseguiria tal feito.
É certo, talvez, que o Benfica também perdeu com o CSKA. Mas os jogadores do Benfica, de tão presunçosos e “cool”, acham que sair do dos balneários e deixarem-se admirar pela multidão já é uma grande vitória.
Mexem-se mais – e são mais aguerridos – ao espelho do alfaiate do que em campo. Ganham sempre e têm a certeza dum lugar no céu por se sujeitarem a partilhar uma bola com “outra” equipa (iaque...!). Enfim, é outra psicose. Porventura mais grave até – mais época e até alegre. Daquelas que os psiquiatras preferem não tratar, por ser tão belo o problema e fazer tanto bem aos doentes.
Mas o Sporting sofre de mal pior – e incurável. Tal como o nome inglês que têm, são “losers”. Não digo que não sejam portugueses. Sim, são.
São o Fado, a tragédia marítima, o “Desterrado” de Soares dos Passos, o genialmente apelidado de centro comercial Alvaláxia (12 cinemas excelentes e, até à data, nem um único espectador).
Assim como os lusitanos tomaram o nome do filho de Baco (deus dos jogos, divertimentos, da volúpia e do teatro), dando origem aos “lusos” de Camões e aos “lusitos” da Mocidade Portuguesa, os sportinguistas tomaram o nome de “loser”. Nós somos os lusitos – eles os luseiritos. Perdem. Perdem muito, pobrezitos.
É altura chegada de explicar porquê. Estarei a revelar um segredo de vetustos benfiquistas – mas não me importo. Aquela boa rapaziada não merece continuar mergulhada na escuridão quanto às origens.
A verdade é que o “Sporting” foi inventado às duas e meia da manhã no restaurante Tavares por quatro benfiquistas bem barbudos e regados – como piada. E, dada a alcoolização dos convivas, não espantará que tenha sido uma má piada.
“Ouve lá”, disse um dos jantarantes, “o que tinha graça era criarmos outro clube de futebol aqui em Lisboa para a malta se rir um bocadinho...”
Os outros, que não tinham mostrado misericórdia menor no conhaque, logo aderiram, entrando naquele delírio que é próprio das grandes bubas – com a notável diferença que nenhum se arrependeu no dia seguinte. Aliás, que eu tenha conhecimento, nenhum benfiquista até hoje.
“Podíamos dar-lhes um nome inglês, para ser mais ridículo...” disse outro, esvaziando o cálice com a rapidez que é própria do processo criativo.
“B-b-boa ideia”, interveio outro, acrescentando (como era um pouco “gay”): “E um equipamento de equipa de râguebi ou colégio inglês, às listas... verdes talvez”
Todos se riram muito e concordaram que assim se havia de fardar a anedota. “Como um todo da praia de Cascais, estás tu a dizer?”, indagou um. “Echatamente, maiche maiche de praia inglecha, tipo Brighton”, recechepondeu o proponente.
O filólogo dentre eles, membro proposto para a Sociedade de Língua Portuguesa (embora repetidamente rejeitado) disse logo que as três palavras mais inglesas eram “Sporting”, “racing” e “yachting”.
Recomendou a última palavra mas os amigos, estando tão bêbados, só ouviram a primeira palavra: “É isso mesmo – Sporting!”
Outro disse logo: “E quando jogássemos com os desgraçados poderia chamar-se...”
Aqui parou para se rir, porque é próprio de quem bebeu de mais achar graça ao que lhe vai saindo da cartola.
“Poderia chamar-se...”derby”!”
Foi uma risota geral. O mais “gay” ainda sugeriu que os jogadores do “Sporting” usassem sempre um chapéu de coco e trouxessem a última edição do “The Times” debaixo dos braços esquerdos. Mas num acesso de sobriedade, a medida foi considerada excessiva. “E um guarda-chuva? É que chove muito em Lisboa...”
“Não... não...” acenaram os amigos, afastando a garrafa de conhaque das beiranças do homem – um pouco hipocritamente , porque a ideia agradou-lhes bastante.
O filólogo ainda alertou para o facto de “Sporting”, em português, dever escrever-se “Esportém” mas os comensais perceberam mal e começaram logo a fazer más piadas, do género “Deixa lá, meu caro Anacelto, que a gente exporta-os logo que deixarem de ter graça” e “Se houver quem os compre...”
Ainda se discutiu, brevemente, como se chamariam os adeptos. O filólogo fez ver que “sportinguistas” fazia tanto sentido como “racinguistas” ou “yachtinguistas” mas os outros, toldados, acharam bem e riram-se muito.
Veio mais uma garrafa de bom conhaque. Os empregados do Tavares já estavam de pijama e o número de vassouras encostadas à cristaleira já era avassalador (por se acreditar, À altura, que tal manobra mandaria os hóspedes indesejados para casa).
Eis que o mais bem disposto sugeriu que o estádio deste “Sporting” ficasse humilhantemente perto do Estádio da Luz, mas fosse mais pequenino e obrigado a dar concertos de rock para pagar a relva (isto apesar de não haver rock na altura, o que demonstra a presciência destes quatro brincalhões – mas, atenção, sábios).
O mais parvo, que à parte rir-se e beber só respirava, espantou todos com uma exclamação:”Havia de ficar ao pé daquela casa de frangos, para que a baliza ficasse abençoada...”
A medida foi adoptada. A hora já era tardia e os empregados do Tavares já tinham feito autênticas obras de arte com a maneira de montar inúmeras mesas e cadeiras umas em cima das outras, até riscarem o próprio, venerando tecto.
E assim nasceu o Sporting. Aplicando a língua do clube, foi um “practical joke”. Aliás, no século XXI, “Practical Jokers of Lisbon” poderia ser um bom nome para o clube, caso queira ajudar a esquecer o passado.
Seguindo a origem inglesa, os sportinguistas, tendo falhado na veia lusa, acertaram em cheio na “loser”. Parecendo agora que vou dizer mal dos nossos intrépidos luseiros, vou elogiá-los. “Luseiros” é um nome que, para quem esteja mal informado ou seja uma simples besta, até nem envergonha, por invocar a luminosidade; a luz do glorioso estádio e o rubor vitorioso dos lampiões.Os sportinguistas não são “losers” no sentido americano. São luseiros genuínos. É verdade que perdem muito. Mas esfalfam-se. Correm como doidos.
Aplicam-se denodadamente mesmo quando já vão três na bilha e só faltam 20 segundos. Nunca desistem, tal é o brio em perder.
São artistas da derrota, luseiros de primeiro. Marcam primeiro; o jogo parece ganho mas, graças a não sei que artes, acabam sempre por alcançar o objectivo. Chegam a jogar muito bem – estão provavelmente entre as melhores 50 equipas portuguesas. E podem melhorar. Os jogadores vão a todas. Esgotam-se fisicamente. Enquanto outras equipas que eu cá sei (como aquela do bairro de Benfica) se contentam com um florilégio de tornozelo aos 83 minutos; os jogadores do Sporting comportam-se conforme os princípios (e digo isto sem ironia) mais nobres do desporto inglês: o importante não é ganhar. É jogar; participar; fazer o melhor que se pode e, sobretudo, perder.
Não é possível, sem ajuda, que uma equipa tenha tanto azar como o Sporting. Vez após vez, conseguem perder jogos que mereciam ganhar. Contratarão orixás banidos que lhes polvilhem o relvado de pragas? Sem dúvida.
Mas ganhar é-lhes repugnante. O Sporting é uma preciosa antiguidade – daí a invenção no Tavares – que nos mostra que não basta o esforço insano; a qualidade técnica; a indómita resistência à falta de sorte.
Não. Para ser luseiro, é preciso uma mentalidade, mais do que Zen, que é uma forma britânica de boa-educação. Em português parolo: “Deixa lá os outros gajos ganhar, para não ficarem chateados. O pessoal mata-se; eles limitam-se a tomar chá – mas que, por amor de Deus, levem a taça.”
As direcções do Sporting foram sempre impecáveis. Desconfio que chegam a “descomprar” os árbitros, caso sejam favorecidos e impeçam as derrotas injustas e imorais em que se viciara: “Toma lá mil contos para não veres as faltas evidentes dos nossos adversários.”
Os adeptos são os melhores do mundo. Enquanto os tripeiros, benfiquistas e manchesterianos amaldiçoam o clube deles quando perde, os adeptos do Sporting aceitam as derrotas filosoficamente e são magnânimes. Se qualquer das melhores cem equipas europeias tivesse os adeptos do Sporting, sem partilhar a filosofia luseira, seria sempre campeã.
Eles gostam é de poder ver jogar à bola, em que uma das equipas tenhas camisas às riscas verdes e brancas (são coisas) – e é esse o espírito amador, vorazmente leonino, que aquece o coração de quem nos vence.
Os luseiros não são uma equipa de futebol – são uma lição de moral.
Desunham-se por uma única razão: para que seja mais saborosa a vitória dos adversários. É verdade que, contra o Benfica, por razões Freudianas (o tal jantar embriagado no Tavares), às vezes tentam atipicamente ganhar. É natural. Bem faz o Benfica, culpadíssimo, em permitir-lhes façanha tal. Ninguém vive sem um mínimo de felicidade – está escrito.
Aqui há uns 35 anos (isto é mentira, mas aviso já) a revista “Século Ilustrado” promoveu um concurso em que se oferecia uma iogurteira a quem fosse capaz de adivinhar as sete letras do seguinte desafio: ”------- do Sporting”. A população inteira escreveu nos cupões a palavra “Coitado”. E dez milhões ganharam, explicando assim porque não há lar português sem uma iogurteira e o “Século Ilustrado” foi à falência.
Nem todas as notícias são más, nem todas as crónicas são desiludidas.
Este elogio do luseirismo dos luseiros do Sporting deverá ser visto, antes, como uma mordaz – e particularmente – severa crítica à nossa ganância de ganhar.
P.S. – Espero que os meus bons amigos afligidos pelo sportinguismo compreendam que tudo isto foi um exercício de humor, embora com um profundo, cavernoso até, fundo de verdade."
São artistas da derrota, luseiros de primeiro. Marcam primeiro; o jogo parece ganho mas, graças a não sei que artes, acabam sempre por alcançar o objectivo. Chegam a jogar muito bem – estão provavelmente entre as melhores 50 equipas portuguesas. E podem melhorar. Os jogadores vão a todas. Esgotam-se fisicamente. Enquanto outras equipas que eu cá sei (como aquela do bairro de Benfica) se contentam com um florilégio de tornozelo aos 83 minutos; os jogadores do Sporting comportam-se conforme os princípios (e digo isto sem ironia) mais nobres do desporto inglês: o importante não é ganhar. É jogar; participar; fazer o melhor que se pode e, sobretudo, perder.
Não é possível, sem ajuda, que uma equipa tenha tanto azar como o Sporting. Vez após vez, conseguem perder jogos que mereciam ganhar. Contratarão orixás banidos que lhes polvilhem o relvado de pragas? Sem dúvida.
Mas ganhar é-lhes repugnante. O Sporting é uma preciosa antiguidade – daí a invenção no Tavares – que nos mostra que não basta o esforço insano; a qualidade técnica; a indómita resistência à falta de sorte.
Não. Para ser luseiro, é preciso uma mentalidade, mais do que Zen, que é uma forma britânica de boa-educação. Em português parolo: “Deixa lá os outros gajos ganhar, para não ficarem chateados. O pessoal mata-se; eles limitam-se a tomar chá – mas que, por amor de Deus, levem a taça.”
As direcções do Sporting foram sempre impecáveis. Desconfio que chegam a “descomprar” os árbitros, caso sejam favorecidos e impeçam as derrotas injustas e imorais em que se viciara: “Toma lá mil contos para não veres as faltas evidentes dos nossos adversários.”
Os adeptos são os melhores do mundo. Enquanto os tripeiros, benfiquistas e manchesterianos amaldiçoam o clube deles quando perde, os adeptos do Sporting aceitam as derrotas filosoficamente e são magnânimes. Se qualquer das melhores cem equipas europeias tivesse os adeptos do Sporting, sem partilhar a filosofia luseira, seria sempre campeã.
Eles gostam é de poder ver jogar à bola, em que uma das equipas tenhas camisas às riscas verdes e brancas (são coisas) – e é esse o espírito amador, vorazmente leonino, que aquece o coração de quem nos vence.
Os luseiros não são uma equipa de futebol – são uma lição de moral.
Desunham-se por uma única razão: para que seja mais saborosa a vitória dos adversários. É verdade que, contra o Benfica, por razões Freudianas (o tal jantar embriagado no Tavares), às vezes tentam atipicamente ganhar. É natural. Bem faz o Benfica, culpadíssimo, em permitir-lhes façanha tal. Ninguém vive sem um mínimo de felicidade – está escrito.
Aqui há uns 35 anos (isto é mentira, mas aviso já) a revista “Século Ilustrado” promoveu um concurso em que se oferecia uma iogurteira a quem fosse capaz de adivinhar as sete letras do seguinte desafio: ”------- do Sporting”. A população inteira escreveu nos cupões a palavra “Coitado”. E dez milhões ganharam, explicando assim porque não há lar português sem uma iogurteira e o “Século Ilustrado” foi à falência.
Nem todas as notícias são más, nem todas as crónicas são desiludidas.
Este elogio do luseirismo dos luseiros do Sporting deverá ser visto, antes, como uma mordaz – e particularmente – severa crítica à nossa ganância de ganhar.
P.S. – Espero que os meus bons amigos afligidos pelo sportinguismo compreendam que tudo isto foi um exercício de humor, embora com um profundo, cavernoso até, fundo de verdade."
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